De Rio Branco para Fortaleza

Um breve relato das viagens e algumas coisas que abordamos nessas aulas. Cada curso tem uma característica própria e muitas quando termino um ainda fico digerindo algumas questões. Eu adoro dar aula por que revejo toda a minha trajetória e reflito sobre o que fiz.
Em Rio Branco fui recebido por um calor de 30ºC às 3 da manhã. No dia seguinte a temperatura chegou a 38ºC. Fiquei mole e me enfiei no hotel. Ar condicionado no máximo. Confesso que sabia muito pouco daquele estado e que não conhecia nenhum cineasta local.
Usina das Artes - Rio Branco, Acre
Fui dar aula nesse belo espaço chamado Usina das Artes que está instalada dentro de uma antiga usina de beneficiamento de castanha do Brasil.
A maioria dos participantes da oficina são alunos do curso de artes cênicas ávidos de experimentar um modo diferente de trabalhar. Acho que foi vi isso que vi nos seus olhos e logo me identifiquei com eles. Tímidos, respeitosos, pouco à pouco foram se abrindo e se mostrando. O fato da maioria deles estudarem junto teatro facilitou a oficina pois já se conheciam e haviam feitos outras oficinas e aulas em conjunto. Também tinham as mesmas questões e buscas com algumas diferenças pois uns estavam mais maduros que outros.
Havia um outro grupo menor de alunos que estavam estudando cinema que haviam feitos muitas aulas teóricas e alguns pouquíssimos exercícios de câmera. Entre estes muitos estavam apenas desenvolvendo um olhar cinematográfico e artístico. Todos se viam como futuros diretores.
Mesmo sendo os dois grupos pertencentes a Usina das Artes eles não haviam trabalhados juntos ou se conheciam.
Uma das coisas que sempre falo para provocar é que todos querem dirigir e poucos querem estar na frente da câmera. E que por isso eu faço uma troca de funções para entenderem melhor a posição que cada um ocupa dentro de uma produção.
Existem poucos diretores que conhecem o que faz um ator e que por consequência tem recursos limitados para dirigir um ator. Para mim dirigir é dar um sentido as ações, é também incentivar, pensar junto, elaborar critérios estéticos e dramatúrgicos. A relação do diretor com o ator deveria ser uma relação transparente de confiança.
Por outro lado os atores por desconhecer o que idealizam o diretor e quando ele não atende ficam ressentidos, desconfiados ou desmotivados. Em geral os atores não gostam de ser mandados mas por falta de motivação, formação, treinamento, experiência, por vaidade se colocam à margem do processo. Os atores não se vêem como agentes ativos de uma mensagem, de uma proposta. Muitas vezes só pensam na personagem, na outra vida que irão viver. Isso excita mas não é que faz um ator. Ele não pode sair de si. Ele pode acreditar no que faz que nos convence que aquilo não é ficção. Entrar na ficção não é fácil. Personagens não são seres humanos, não tem carne e osso. Personagens são idéias, mensagens, artifícios para contar uma história. Quando o filme acaba eles ficam presos lá enquanto os atores já se foram para um próximo trabalho.
Nesse curso, estimulado pelos alunos, principalmente pelas questões de Lelande Holanda, que me mostrava a cidade e aproveitava para fazer perguntas, me aprofundei em algumas questões.

Emoção é movimento. Consciência é movimento com domínio. Domínio não é controle, nem contenção. É agir, pensar e sentir ao mesmo tempo.
Sentir não é o mesmo que sentimento. Sentir como eu conceituo tem relação com os sentidos. Tem seu lugar na pele, nos olhos, nos ouvidos, na boca, no nariz, no seu eixo, nos seus orgãos, na maneira que os estimulos te indicam quem você é, onde você está e como está. Todo seu aprendizado, sua formação do pensamento começou pelos sentidos. Sem eles a sua compreensão do mundo e de você seria outro.
Agir é movimento com direção, com sentido no espaço. O Agir é consequência dos seus sentidos pois seu Pensamento é fundamentado em algo que seus sentidos transmitiram. Até mesmo a intolerância, a destruição e a crueldade fazem parte do ser humano. E não se justificam apenas são. Podemos repudiar e somos em parte educados para fazermos isso entretanto somos atraídos para elas.
O Pensar é processar, gerir, motivar, estimular, refletir, traz o indivíduo para a ação, é crer no que se faz, estar presente. Pensar é fundamental para dar sentido aos movimentos, graduar, expandir suas fronteiras. Ter noção de limite e de direção que se vai tomar. O Pensar está ligado com a capacidade de processar estímulos e gerar ações.
O que é o Ator faz e o Diretor são ações, imagens que permitem uma ánalise. Ela s nascem do desejo de dizer algo, de transmitir algo e que pode nascer de uma crítica ou visão sobre um tema. Entretanto tudo isso é muito mais subjetivo do que objetivo e muitas vezes se descobre depois o que realmente motiva suas escolhas.

O mar é muito presente em Fortaleza
Contemplar…

Eu tinha muita vontade de conhecer o Ceará. Conheci alguns cearenses, músicos, atores, diretores, bailarinos, cineastas e mesmo sem ter um conhecimento íntimo da produção local eu respeitava.
Em Fortaleza encontrei um grupo de atores e alguns diretores. Havia entre os alunos alguma afinidade. A cidade é menor e de alguma maneira essas pessoas já haviam se encontrado. As questões ou a motivação destes alunos era quanto a técnica do ator no cinema. Alguns já tinham participado de alguma produção audiovisual, outros estavam querendo ingressar. Alguns alunos participavam de grupos de pesquisa de teatro, outro tinha uma formação em dramaturgia e já dirigia seus trabalhos. Enfim um grupo heterogêneo mas com muito interesse na questão técnica.
Percebi que nesse grupo os atores tinham um trabalho corporal muito bom. Parece que todo mundo no Nordeste já nasce dançando e a musicalidade do gesto e da voz é muito forte. Tanto que quase não uso música na aula por que não sinto necessidade.
Mas como isso acontece orgânicamente são pouco conscientes do que fazem e há uma percepção da técnica como algo exterior. Pelo menos foi que percebi. Diferentes de mim que por muito tempo me achava um desastrado e até hoje não sei dançar, estudei muito para poder ter mais leveza e domínio do meu corpo.
Quando eu comecei a desenvolver o método que utilizo eu quis incluir a alegria, a afetividade, a inventividade e a espontâneidade da nossa cultura. Mas também tinha consciência de que a forma final não podia ser o ponto de partida mesmo se ela fosse linda por que isso seria reproduzir. Que os meus conceitos não poderiam ser feitos a partir de preconceitos mas de uma flexibilização do que eu sei. Eu precisava encontrar pontos de encontro comigo e conseguir me identificar com aquilo que estava fazendo para poder desconstruir a forma e construir o que eu precisava. Precisava ir além do “gosto ou não gosto”, dos julgamentos, da exclusão. Precisava permitir experimentar o possível dentro dos meus limites. Enfim diminuir a minha ansiedade por resultados e reconhecimento.
Em todos os cursos eu começo fazendo um exercício de respiração. Esse exercício procuro repetir todas as aulas. E faço isso por que começo dizendo aos alunos que 80% dos meus problemas de atuação e de direção eu resolvo observando a respiração. A respiração é algo que quanto menos se mexe melhor fica, que aquilo que organiza todas as funções do corpo, que é vital. Que quando olho alguém que estou dirigindo ou quando atuo e algo não está bem, basta eu parar e observar de que modo aquela pessoa  está ou eu estou respirando para ter a resposta de como agir para melhorar o funcionamento da ação. É muito sútil e é necessário anos de observação e prática para poder realmente perceber isso. Mas o primeiro módulo do meu curso se resume a isto que quando o aluno se entrega tem uma percepção maior de tudo que lhe cerca.
Fico muito feliz quando os alunos conseguem observar e aceitar isso por que sei que parece pouco. Por que parece tão óbvio que todos deveriam saber entretanto não sabem. Quando simplesmente conseguimos nos harmonizar com nossa respiração há um bem estar e um fortalecimento do nosso indíviduo.
Nossa sociedade como um todo respira mal. Principalmente nas cidades onde a ansiedade gerada lá é proporcional ao seu tamanho. Existem muitos fatores que geram a ansiedade: a competividade, o medo da exclusão, o desejo de ser aceito, a falta de intimidade consigo, a falta de espaço, a falta de conforto, a insatisfação… Enfim a ansiedade é o maior inimigo da respiração. Ela distorce o que os sentidos percebem gerando um desequílibrio ainda maior no pensar e agir.
O que venho dizendo repetidamente para os atores é que se apropriem do material, do roteiro, daquilo que vai ser feito para que realizar sua criação autoral. Um filme é feito de muitos autores que escrevem a seu modo a história.

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