Ação!!

Escrevendo no  meio do set de filmagem. 

É uma primeira vez e talvez não se repita. Não tenho esse sangue frio todo.

Mas como este plano não envolve os atores posso me dar ao luxo.

 

O Ator imaginário na tela!!! 

Além de preparar estou atuando no filme. É um personagem que tem uma importância grande na vida do protagonista. Uma nova experiência!

De certo modo essa preparação me levou a ser esse personagem.

O diretor me observou durante muito tempo. Me viu em ação e viu que o que eu faço tem muito a ver com que a personagem faz. Além de que ele viu que eu também sei atuar e gostou de me ver atuando. 

Esta proposta surgiu nos últimos dias da preparação. Até havíamos ensaiado um ator para fazer o papel mas em cima da hora ele descobriu que a sua agenda não compatibilizava com o cronograma do filme e que ele não tinha como se livrar daqueles compromissos.

Antes deste ator chegar, que aconteceu na última semana da preparação, eu havia ensaiado as cenas deste personagem sem nenhum compromisso. Eu quis entender e adiantar o trabalho de dirigir o ator que viesse fazer o personagem apresentando ao diretor a minha versão para que ele não ficasse com uma lacuna na sua dramaturgia. Traduzindo eu dei vida ao personagem de uma forma provisória para que o diretor pudesse entender a situação dos persoangens. Eu nunca tinha feito isto antes mas a intimidade que desenvolvi com os atores me facilitou nessa experiência.

 

O primeiro dia de filmagem foi também o meu primeiro dia de ator no filme…que responsa. Não ensaie nenhum dia sendo oficialmente o ator desta personagem. Paradoxalmente eu não tive tempo para preparação. 

Se isto pesou não sei ainda dizer. Estou assimilando tudo isto.

Em geral eu não fico nervoso mas meu processo é muito racional e mesmo com todo o conhecimento, domínio que tenho sobre meu corpo, preciso de um tempo para encontrar meu lugar. Isto é o dilema do ator no cinema. São tantas interferências no seu modo de estar e tanta coisa para desviar sua atenção. Um set de filmagem é um lugar com um excesso de estímulos mas que no começo poucos servem para o ator entender o que ele está fazendo ali. Nem o diretor consegue de primeira situar o ator. Ele procura conduzir, levar o ator para seu lugar…mas isso o ator dificilmente aceita. Ele quer conquistar seu conhecimento, estabelecer sua relação com o espaço, com seu corpo, com o tempo. 

 

O primeiro plano da noite a câmera descia numa grua num movimento vertical se aproximando do rosto do outro ator que veria encontrar. A minha ação consistia em colocar meu pé esquerdo do lado do cotovelo esquerdo do ator, me abaixar, deixar o bastnao que carregava na mão em algum lugar no chão, ajeitar meu figurino de modo que não interferisse na fluidez da minha ação, colocar minha mão direita debaixo da cabeça dele, levantar ela até um ângulo que favorecesse a visão da câmera, cuidar daquele homem que estava pedindo socorro e estava quase sucumbindo, cuidar para que minha cabeça não entrasse na frente da câmera, que eu mantivesse uma postura ereta e ao mesmo tempo me relacionar afetivamente com aquele homem. A maioria disso que escrevi não estava no roteiro e isso era apenas o primeiro plano de uma noite gelada numa locação ao ar livre vestindo trajes bem leves.

Tem que coragem e muita entrega para ser ator.

Naquela mesma noite o meu último plano ficou pendurado. Ou seja faltou tempo para concluir e teríamos que retomar num outro dia. Era um close mostrando toda a minha emoção naquela situação. Ou seja um plano extremamente importante  para mim e para meu personagem. 

Confesso que fui para casa sem me dar conta de tudo isso. Eram cinco e meia quando entrei no meu quarto de hotel mais preocupado em conseguir um bom descanso. Tomei um banho e ao som da cidade despertando fechei os olhos.

Quatro horas e meia mais tarde despertei e fui para minha aula de Pilates. Conhecendo meu ritmo interno sabia que acordaria mesmo sem despertador  por que sou matutino. É o período da manhã em que estou normalmente mais ativo. Nasci assim e gosto de acordar cedo. 

Em outras situações eu simplesmente tentava lutar contra minha natureza e acabava tendo que ceder. Desta vez me arrastei até a academia e dei a quantidade de movimento que meu corpo pedia. Logo em seguida fiz uma refeição leve e voltei para o hotel. Tomei banho e …dormi de novo. Acordei bem. Aprendi algo que já ouvido falar antes que moderada atividade física ajuda a recuperar o corpo depois de um grande esforço e que a falta desta atividade pode dificultar que o corpo possa eliminar toxinas e se recompor. Os atletas fazem isso…mas para mim só agora caiu a ficha. 

Bem…na noite seguinte voltamos para a mesma locação mas fazendo outras cenas. A lua começa a minguar. Ela que nos havia agraciada com uma luminosa presença no primeiro dia de filmagem começava se recolhar para seu camarim. O plano que faltou estava programado mas eu nem me preocupava. Estava no set como preparador e tinha mais coisas para fazer. Enfim chegou a notícia de que aquele plano ficaria para o dia seguinte. Na minha cabeça o diretor já tinha desistido mas essa é uma qualidade de diretor: persistir numa idéia até que criar uma oportunidade para que ela se materialize e saber contabilizar as perdas se tiver que abandonar sua proposta por ser inviavél. 

Até que enfim no terceiro dia de filmagem faltando dez minutos para encerrar o set me vestiram e me colocaram diante da câmera com a missão de produzir uma emoção que sentiria há 48 horas antes. Que roubada! Dentro de mim tudo frio. Sem movimento. Ao meu redor nada que me estimulasse na direção certa. Nem o diretor. Um set caótico e devastador. Todos cansados para não dizer de saco cheio, olhando para um ator tentando dar sentido para um contexto sem nexo. Onde antes havia outros atores estava um tripé, um enorme rebatedor, uma grua, uma maquiadora com cara de nada, e por trás uma noite escura. Faltando pouco eu gritava comigo. Mas meus gritos eram abafados pelos gritos do assistente de direção: Fumaça!!! Mais fumaça no fundo!!! Vai!!!

e pelos gritos do diretor: Emoçao! Segura emoção….

Dentro de mim nada. Só um pedido de acabar logo com tudo isso. 

A situação foi me deixando frustrado e logo se transformar em raiva. Dei alguns tímidos gritos que assim não dava, fechei os olhos, andei um pouco mas a fumaça recebia mais atenção que o ser humano que estava na frente da lente. Fizemos uma, duas, três tomadas….via que o diretor persistia mas não estava satisfeito e que eu estava afundando, aceitei que perdi e relaxei…a emoção finalmente veio e pudemos fazer dois takes que valeram. O diretor me defendeu e senti confiança nele. 

Escrevendo isso estou entendendo o que me aconteceu e quero me lembrar disto para os próximos dias de filmagem. Desta experiência eu entendo ainda mais o valor do trabalho que faço e deu sua importância para buscar uma qualidade de atuação que não seja automato ou de um repertório que diretor e ator convencionam como sendo bom.

 

O set acabou. O protagonista vem até mim e me diz que eu estou na melhor posição, que não valia a pena estar lá. Foi uma sequência de planos técnicos mas ele precisava estar lá com seu corpo e é claro que ele se sente usado pelo diretor que esqueceu de lhe dizer obrigado. Não sei que tem razão se é que existe alguém que tenha razão as 3:45 da manhã após uma jornada de quartorze horas.

Vou dormir…daqui a dez horas ou mais estarei de volta para uma última noturna.

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