A Diversidade

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O que fazer quando se está numa sala de aula e quatro línguas são faladas sendo que a sua língua não é a língua materna dos alunos? Mas ao mesmo tempo entre eles há uma distância linguística e cultural. Todos Brasileiros… mas de etnias diferentes.
Eu nunca me senti tão estrangeiro quanto nesses últimos dias.
Tive com pessoas de diversas etnias: Suiá, Ylapeti, Kuikuro, Kaiabi-Suiá, Trumai
Aqui no Xingu o sobrenome das pessoas é a mesma da etnia.
Esse termo índio que se usa generalizando povos, costumes, traços físicos é totalmente equivocado.
Facilita e eles mesmos usam como forma de agregar todos os que tem a sua origem nesse solo, nesse pedaço de chão que um branco batizou de Brasil.
O Xingu com sua diversidade é um país dentro do nosso país. Não tem autonomia de um país constituído mas tem a dimensão e a complexidade de um. Tudo lá precisa ser gerenciado, os recursos naturais, a água, o peixe, a caça, o espaço físico, as fronteiras…
O Xingu é um país que não tem moeda própria.
Hoje me explicaram que um colar de casca de caramujo, que é muito lindo, tem um valor muito grande tal como o dinheiro para nós. Por que é muito difícil ter o material para fazer e muito difícil de trabalhar com esse material. Ao mesmo tempo me disseram que o dinheiro que eles conseguem aqui fora com a gente fica aqui mesmo pois é para comprar coisas para levar para lá.
Lá dentro se faz troca. Troquei uma lanterna por um colar. As meninas trocam sutiãs por pulseiras, cintos… O adorno tem um valor enorme.
A Troca é um sistema econômico que existiu a muito tempo atrás antes de inventar o dinheiro. Por coincidência hoje em alguns países de primeiro mundo existem redes de troca de coisas e serviços que surgiram como alternativa para quem não quer ou não tem dinheiro para gastar. Ou seja a evolução de uma proposta nem sempre é uma idéia nova. O Tempo é circular.
A relação com as crianças é incrível. Elas são muito obedientes mas ao mesmo tempo livres. As brincadeiras são pescar, caçar pequenos animais, fazer flechas mas todos obedecem os pais sem muita discussão. Eu não vi nenhuma criança apanhar. Tampouco vi nenhuma fazer malcriação. Os pais ficam em cima e há um controle social feito pela comunidade. As crianças tem brinquedos industrializados mas não em  muita quantidade. E como não há televisão o tempo todo não há estimulo para o consumo infantil.
Uma coisa que me disseram que se algum jovem pegar algo que não é seu e um velho ver. O jovem vai para a reclusão. Não existe polícia.
Quando eu quis exemplificar situações de conflito me deparei com o fato de que eu desconheço os valores daquelas pessoas.
Pensando mais um pouco eu acredito que a falta de valores é um dos fatores que geram tanta neurose e violência nas relações urbanas. No final a competividade, a agressividade, a produtividade, o consumo, são os valores comuns na sociedade onde eu vivo. Enquanto nas aldeias é a harmonia, a convivência, a manutenção de um modo de viver seriam seus valores. Imagino que entre a população das aldeias deve existir um questionamento, principalmente quando são confrontados com a tecnologia do mundo dos brancos. Imagino que eles devem ficar bem divididos entre aderir a nossa máquina de louco ou se manter onde estão.
O que eu tenho pensado que chegamos ao final da linha e acreditamos muito que só o avanço tecnológico seria o suficiente para nos tornar mais felizes.
Nem um nem outro.
Eu não sei se quero trocar de vida com meus alunos mas me alegro com esse questionamento saudável que me faço agora.
Amanhã vou começar uma oficina com os Kalapalos. Que é uma etnia do Alto Xingu (apesar de que o Alto fica mais ao sul e o Baixo mais ao norte perto do Pará) Eles são próximos dos Kuikuros e falam uma língua similar. O que não vai refrescar nem um pouco por que as poucas palavras que aprendi, esqueci.
Os nomes são lindos mas também não guardo.
Ontem ouvimos uma história sobre a Deusa Sol que é a mãe do índios e das pessoas. Pro índio ela deu uma panela de barro. Pro branco ela deu uma grande panela de aço. Pro índio ela deu o arco e a flecha pro branco ela deu a espingarda.
Dá para interpretar de muitas maneiras.
O Parque do Xingu só tem 50 anos mas a relação entre índios e brancos tem mais de 500.  E boa parte dela marcada pelos traços da pólvora. O legado da colonização ainda existe. Mesmo se queremos esquecer ou coloca-la num passado distante. Por que até os anos setenta existia o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que promovia a vinda de colonos para ocupar a região Centro Oeste e o Norte do país ignorando completamente a ocupação já existente.
Eu sei pelo Chico Accioly que os primeiros encontros nas aldeias foram marcados por discursos reclamando e rejeitando a presença deles ali. Mas que depois ia se abrandando até chegar a cooperação.
Essa história foi reforçado pelo pessoal que trabalha no Instituto Sócio-Ambiental que passaram pelos mesmo cerimonial de recepção nas suas primeiras idas a aldeias.
É uma espécie de aviso e descarrego por que a relação com os brancos sempre foi marcado por sacanagem e interesses econômicos onde o resultado é que o índio ficava com menos.
A manutenção de um Parque tão grande numa área em que o solo é rico, o que representa um valor econômico grande é um esforço. Ela depende da boa vontade de quem está no governo. O que é lamentável.
A grande lição desse trabalho tem sido a discussão sobre valores e não mais sobre Política. Já que com valores fracos não há uma Política que possa existir apenas manobras e disputas entre grupos.
Enfim de novo me perdi em divagações.

1 comentário Adicione o seu

  1. João Periotto disse:

    Christian, tudo bem? Pelo texto obervo que sim. Li imaginando esse universo todo e novo, mesmo sendo tão…original dessa terra… é a Diversidade (como intitulou), preciosa. Gostaria de saber se haverá curso agora em julho. Bom trabalho, e aguardo resposta (se possível). Abraço. João Periotto – LBV

  2. aculturadamacauba disse:

    Continuemos nos perdendo.
    Que divagar é preciso.

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