Blindness – Ensaio sobre A Cegueira (2007)

osanonimos
Nessa página tem todos os textos referentes a experiência de preparar o elenco do longa metragem Ensaio Sobre a Cegueira, livremente adaptado do romance homólogo de José Saramago dirigido por Fernando Meirelles.
Entrevista
Em Agosto de 2008 fui entrevistado por e-mail pela jornalista Sil Meirelles que está preparando um livro com conteúdo do Blog do Blindness mantido pelo diretor Fernando Meirelles. O livro ainda não está publicado e a entrevista foi editada. O texto tampouco é o final mas uma versão que acho interessante para entender como a minha visão do tema foi evoluíndo.
Em relação ao livro e ao roteiro como eles ajudaram a criar? ( a pergunta é mais ou menos essa)

Eu lí o livro em 1999 e lembro que em alguns momentos a história me causou um mal estar físico. Lendo o roteiro não tive a mesma sensação mas durante um período em que estudava quais o efeitos da falta de visão provocava em mim percebi que esse mal estar voltava. A minha cabeça não permitia que eu me envolvesse com aquela situação. Cheguei logo a conclusão que perder um sentido seria muito pior que perder um membro ou uma parte do corpo.  Acredito que todo discurso ético que o livro traz não se compara a própria perda da visão. O que mais me incomodava no livro era pensar em estar cego. Isso seria um muro que teria que transpor pois teria que convencer as pessoas a mostrarem sua aversão, sua frustração, sua fragilidade, sua debilidade sem que pudesse usar de nenhum artifício. Já que mesmo com a utilização de lentes de contato o cérebro que continuar a ver. Isso ocorreu com os atores principais que usaram lentes de contato e que se apoiaram inicialmente nos exercícios que desenhei para convencer o cérebro para entrar num outro padrão de movimento e estado emocional.

Por estar preparando a cegueira e não as personagens, ou cenas propriamente dita não precisei me apoiar no roteiro mas apenas me ater no que o fato de ficar cego, viver num mundo de cegos,  estar infectado por uma doença misteriosa  provocaria nas pessoas.

Como você procedeu?

O roteiro aborda a cegueira mais como uma patologia misteriosa e cria uma trajetória sobre a existência nessas condições enquanto o livro é mais explícito em dizer que a cegueira é uma doença social que acontece sem que a pessoa perca a visão. Este conceito foi a base para que eu construísse a cegueira. A ideia de que mesmo quando usamos plenamente a visão ela é seletiva. Só vê o que queremos que ela veja. A proposta de ficarmos cegos por algumas horas pode até ser atraente, uma aventura, uma grande bobagem divertida ou um aprendizado profundo que felizmente se conclui com a volta da visão. Somos mais resistentes a ideia de perder um sentido do que perder um membro. Sobretudo a visão. Assim sendo eu optei por uma proposta de experimentar a cegueira com vendas para que cada um pudesse tirar suas conclusões e depois pouco à pouco construir uma técnica corporal que invocasse visualmente estados emocionais que são decorrentes da perda da visão: depressão, desorientação, revolta, hiperatividade, passividade, ansiedade, confusão moral e comportamental. Tudo isso em graus diferentes e variando de pessoa para pessoa. Levando-se em conta de que foram em torno de setecentas pessoas que participaram das preparação incluindo os atores principais. A principal dificuldade era o número de pessoas, o pouco tempo e o fato de que a proposta era pouco crível. Ninguém acreditaria que não estaria fazendo de conta e não se deixaria ver de modo tão frágil beirando o rídiculo se estivesse representando alguém que tivesse infectado por uma doença misteriosa. A estratégia foi trazer para cotidiano a cegueira e mostrar para aquelas pessoas que estes estados emocionais elas tem mesmo quando não estão cegas. É a visão ou consciência que a visão traz que impede que elas se deixem levar. Para tanto eu estimulei os outros sentidos e mostrei que a visão as haviam tornados preguiçosas.

Os olhos controlam os movimentos da coluna vertebral. E a visão é influenciado pelos nosso padrões de pensamento e movimento. Desorganizar isso seria o caminho mais adequado para que alguém pudesse experimentar sem nenhum artifício a falta da visão. A visão permite que tenhamos um mundo de tempo e espaço enquanto o deficiente visual vive num mundo de tempo.  O espaço é o tempo que se leva de ir para um lugar para o outro. São os eventos que se sucedem. Contradizer a informação, ou colocar em dúvida o que os olhos percebem, destabilizar a organização da coluna, perder a noção de espaço, de orientação, de ordem, de equilíbrio foram os aspectos praticados na preparação para caracterizar a cegueira e retratar a doença social.

Além de que foi necessário superar um dos sentidos mais fortes que o senso de rídiculo. Esta só foi superada quando aceitamos de que não estávamos cegos e que a cegueira só era um conceito.
http://www.youtube.com/watch?v=ehHSKU1zQjg

Notícia originalmente publicada na Revista da Folha, no dia 07 de Setembro de 2008.

markefernando - markefernando

O diretor e o ator Mark Ruffalo durante pausa nas filmagens.
ENSAIO PARA A CEGUEIRA
por Fernando Meirelles
Pediram para que colocássemos vendas pretas, dessas que se usa em avião. Éramos umas 25 pessoas. Uma mão e uma voz nos ajudaram a entrar em vans e partimos sem saber para onde. Começou assim a oficina para o filme “Ensaio sobre a Cegueira”, com toda a equipe, coordenada pelo preparador de elenco Chris Duvoort.
As vans rodaram por um tempo, pararam, as portas se abriram e saímos tateando em silêncio. Além de nos pedirem para não conversar, nada mais nos foi dito. De repente, um sininho tocou e instintivamente começamos a andar em sua direção. Na escuridão, qualquer referência parece um bote salva-vidas. Saímos tropeçando. Passavam carros. O calor na pele nos dizia se estávamos no sol ou na sombra. O sino entrou num espaço mais frio, que pelo eco parecia ser um galpão vazio. Ficamos vagando, descobrindo corredores e portas, mapeando o lugar mentalmente.
No início, ao esbarrarmos num companheiro, havia um certo desconforto. Pedíamos desculpas. Depois, cada encontrão era seguido de mãos que se tateavam e estabeleciam um código mudo na base de apertos, tapinhas etc. A dificuldade criou rapidamente uma intimidade que jamais teria acontecido sem as vendas. Fala-se que as crises despertam nossos instintos de grupo e nossa solidariedade adormecida. Nesse microcosmo, constatei o quanto a afirmação tem de verdade.
Centenas de pessoas em São Paulo e em Toronto passaram por esses exercícios, que duravam por volta de quatro horas.
Éramos submetidos a cheiros que cruzavam nosso caminho, sons, músicas que se alternavam. Sem a visão, experiências sensoriais parecem mais profundas. A visão ocupa a mente, não deixando espaço para vivenciarmos outras experiências, inclusive as que se passam dentro de nós. Não por acaso, fechamos os olhos para uma melodia, para meditar.
Em cada uma das sessões, havia quem se angustiava profundamente, se agarrava a alguma coisa ou se sentava no chão e chorava. Para outros, meu caso, o mundo sem visão pareceu confortável e prazeroso. Quando o sininho nos levou até um restaurante, pressenti que estávamos chegando ao fim e lamentei.
Deu para perceber que sem imagens qualquer culinária melhora muito. O sabor do macarrão alho e óleo pareceu extraordinário. Após o cafezinho, finalmente a voz reapareceu: “Podem tirar as vendas”. Demorei para fazê-lo e foi desagradável o bombardeio de cores, luzes e rostos cheios de expressões carregadas de significado. Em três minutos, a rica experiência do mergulho para dentro já havia se dissipado. Era como se aquela intimidade comigo mesmo se perdesse. Entendi finalmente porque o Homem da Venda Preta, Danny Glover no filme, fica tão apreensivo na cena final com a perspectiva de voltar a ver. Ele tem medo de que todos percam o que conquistaram com tanto sofrimento.
Curioso o homem. Temos a capacidade de adaptação das baratas e a memória de uma maçaneta. A maior parte das experiências que vivemos e que poderiam nos ensinar parece se dissipar como vapor. “Para onde vão?” Perguntaria o replicante no final de “Blade Runner”.
No escuro

18/05/2007

Voltando

Estou em Toronto, essa bela cidade de gente muito simpática e acolhedora. O nível de neurose é mais baixo que em São Paulo e a sensação de insegurança menor. Uma cidade multicultural com um bom grau de integração. Estou sendo super bem tratado.

Estamos provocando uma pequena polêmica por estarmos ensaiando e dando oficinas para figurantes. O sindicato não entendia e queria ver se não estaríamos explorando os figurantes dando-lhes uma função de ator o que acarretaria numa compensação financeira. Enfim tudo foi discutido e resolvido. Uma parte crucial do filme são os figurantes.

A Cegueira pode ser entendida e abordada de várias maneiras. A perda da visão causando alterações radicais de humor nas pessoas despertando seu instintos e trazendo o caos interior. A perda da visão e as consequentes perdas que o indivíduo tem levando-o a depressão. A perda de visão e a dificuldade de se orientar, de locomover, de se relacionar. A perda da visão e suas questões filosóficas.

O livro é explícito ao nos dizer que somos cegos por não querermos ver determinadas coisas que nos afetam mas por egoísmo deixamos de ver. O livro é explícito ao nos dizer que isso nos levou a impotência e que provavelmente só um desastre desta amplitude nos faria recuperar as forças necessária para transformar nosso modo de viver.

Estou abordando todos esses aspectos na preparação dos atores e procurando estabelecer uma cumplicidade entre a história que estamos contando e os indivíduos que vão estar vivenciando ela.

Apesar de ser uma história de poucas personagens essa é uma história de uma coletividade e não importa quem são as pessoas que estão retratadas. Elas são apenas um estreitamento do campo de visão e uma artifício para que todos nós possamos nos identificar com a temática.

A personagem principal é a Visão. Ela não está personificada em nenhum dos outros personagens. Eles são criações da Visão e através deles que ela vive sua história. A Visão somos todos nós, videntes ou não. Por que é uma necessidade do ser humano criar imagens. Cegos também criam imagens. Todos nossos sentidos criam imagens que alimentam o ser humano. Criar imagens é a maneira com que desenvolvemos a consciência de que somos. É uma aptidão que fez com pudéssemos sobreviver por mais tempo e conseguirmos domar a Natureza.

Outro dia numas das oficinas um participante vendado falou para outros participantes também vendados que estavam ao seu lado: ‘Agora somos todos da mesma cor, né.’ E deu uma leve risada irônica de contentamento com sua constatação. Ele é negro numa sociedade estabelecida por brancos/europeus e disse isso espontaneamente sem saber se quem estava ao seu lado era caucasiano, oriental, latino ou … Ou seja se nascêssemos cegos os conflitos étnicos poderiam deixar de existir. Será?

A Visão não é uma abstração ela faz parte do nosso corpo. Porém poucas vezes pensamos que os olhos só confirmam as imagens que nós mesmos geramos. É o nosso desejo de ver que faz com aquilo que vejamos se materialize.

A ser continuado…

17/05/2007

Cegueira, mais um pouco

Deixei de escrever por falta de tempo.

Mas vou voltar daqui a pouco.

Escrito por Christian Duurvoort às 08h36

De novo em Toronto

Estou aqui há quase duas semanas e deixei de escrever faz mais de um mês.

O Tempo passa voando.

A minha cabeça ficou sobrecarregado com os muitos acontecimentos destas últimas semanas.

Volto logo para São Paulo.

Essa semana consegui sentir que encontrei aquilo que esteticamente é a cegueira no filme.

É uma invenção. Deixei de lado a cegueira enquanto um problema fisiológico e passei a tratar como um

problemas social. Temos comportamentos que nos levam a cegueira. A frustração, o medo, a omissão,

a incapacidade de lidar com crises, alterações de espírito, a falta de uma ideologia nos levam a uma cegueira momentânea.

Isto tem feito com que as pessoas passem a não usar suas capacidades sensitivas completamente e seu corpo se esvazia de objetivo.

Para quem vê é como se elas estivesssem se dissolvendo em pensamentos incompletos, repetitivos e distantes do mundo.

Talvez seja difícil de viisualizar mas muitas vezes estamos distraídos e nos assustamos com nossa imagem no espelho…é isso.

Só que eu tirei o espelho e coloquei uma parede onde as sombras que são projetadas deformam suas imagens.

Não reconhecer-se.

Estou muito feliz por que tive muito pouco tempo para treinar as pessoas mas me preparei tão bem que elas estão aprendendo

rapidamente e sem muito esforço.

Elas venceram a barreira que a palavra cegueira gera e o preconceito de anormalidade que ela traz.

Tudo que nos é estranho causa medo em nosso íntimo. Provavelmente por que nossa auto imagem exclui diferenças e contradições.

Ou por que deixamos de nos tornar flexíveis e criamos uma verdade cristalizada.

Enfim eu consegui trazer essas dúvidas para a ação.

Estou contente…

vou me preparar porque tenho mais um dia de trabalho.

Escrito por Christian Duurvoort às 08h11

18/07/2007

Guelf

É lá que se encontra a locação principal do filme a Cegueira.

Antiga prisão desativada há uns quatro anos. O prédio se eu não me engano tem uns cem anos.

Paredes pesadas e espessas. Me fazem lembrar hospitais antigos na Europa.

De fora o prédio parece um internato inglês. Até por que é todo cercado por um parque.

Dentro grades de ferro indicam que isso é uma instituição correcional.

As pequenas celas nos pedem para pensarem.

No Brasil são quantos os presos entre 17 e 25 anos?

Cegueira…não saber que boa parte de nossa população jovem já passou pela experiência de ser

encarcerado.

Estando dentro daqueles muros reflito que duas coisas incomodam muito o ser humano:

A doença e a exclusão.

Quando surgiu a Aids, excluíram os homossexuais.

Virou epedemia.

Sorte da Cegueira, por si só, não ser letal mais as consequências levam a morte do ser.

Li que é preciso morrer vidente (pessoa que vê) para nascer cego.

É necessário deixar sua identidade para trás para poder ver de novo e aceitar o que nova

condição lhe dá.

Mais ensaios sobre a Cegueira.

Depois de ter desenvolvido uma metodologia para que se possa entender a cegueira fica fácil a compreensão. Assim estou economizando tempo e esforço dos atores que logo conquistaram confiança no que estão fazendo utilizando a cegueira para desenvolver a dramaturgia. Pois passado a fase de aceitação da regra do jogo vem a porta do inferno que a falta da visão traz. Revelações sobre si mesmo…um purgatório interior. Antes eu pensava que Saramago estava falando do Inferno de Dante. Hoje penso que o Ensaio sobre a Cegueira se refere mais ao Purgátorio. Em todo caso a estrutura dramtúrgica do livro que rouba a identidade das personagens da muita liberdade para os atores mas lhe rouba as referências já que diante do novo ninguém consegue ver o passado. Nem pensar num futuro. O que possibilita uma não linearidade de atitudes e de raciocínio. Algo muito próximo do cotidiano e de como eu gosto de trabalhar.

Uma das maiores dificuldades do ator é lidar com a linearidade dos fatos e tornar possível o inesperado devolvendo a dimensão da incerteza humana.

Pirandello já propunha que as personagens se conhecem melhor que os atores que os interpretam mas que paradoxalmente isso os leva a prisão da eterna repetição.

Assim voltamos a Guelf e a proposta do Ensaio sobre a Cegueira. Para mim a dramaturgia, a qualidade de atuação e a estética andam juntas. Seria impossível pensar a cegueira apenas como sendo algo mecânico separado do que se está dízendo com a obra. A dificuldade é encontrar um balanço entre os três aspectos para tornar mais atraente para quem que ver a história.

Escrito por Christian Duurvoort às 07h21

24/09/2007

De volta

Voltar para São Paulo.

Para minha bagunça ordenada.

Vou precisar de um bom tempo para descrever todas as experiências das últimas semanas.

Vou tentar.

Saí de Toronto lá pelo dia 10/9. Queria ficar mais mas ainda havia muito trabalho aqui.

Quando começamos o trabalho achei que andar seria a coisa mais simples de fazer

…me enganei andar é o mais difícil.

É o que dá um aspecto de um morto-vivo em umfilme B.

No Canadá percebi que tinha que me concentrar no caminhar.

As referências que usamos como videntes para nos organizarmos espacialmente

são completamente diferentes para quem não vê.

A começar pelo equílibrio, o senso do espaço, a orientação…enfim ninguém anda em linha reta.

Outra coisa que toma tempo é fazer com que não pensemos na cegueira,

que possamos sair do preconceito e encontrar em ações cotidianas a cegueira de cada um.

Eu consegui despadronizar a figuração e observando cada uma das seiscentas (ou mais )

pessoas com quem trabalhei e criar um modo particular de entender a cegueira.

A cegueira tem suas vantagens não sofremos tanto com a massficação e a padronização dos comportamentos, temos de confiar nos nossos sentidos

entender que a visão nos deixou preguiçosos.

Chegando em São Paulo descansei dois dias e já estava embarcando para Montevideo acompanhar os trabalhos que a Marina (minha corajosa assistente) e o Gustavo (meu companheiro de outro filmes no Uruguai) estavam fazendo.

Percebi logo que precisaríamos ter mais tempo com a figuração e que todos independente de sua participação precisaríamos de três sessões.

Isso nos facilitaria a vida depois por que apesar do número gigantesco conheciríamos cada um e na hora do set teríamos uma linguagem

em comum. Eu queria que todos tivessem o mesmo entendimento e tempo para evoluir.

Afinal eu estava mexendo em algo que é um reflexo construído ao longo de toda vida daquela pessoa. Usar a visão para se organizar no espaço.

O treinamento apesar de divertido foi muito pertubador. Cansativo.

Desenhei alguns exercícios que deixavam a pessoa perdida.

Mesmo com os olhos abertos.

O tema provoca resistência por que a cegueira lembra deficiência,

depedência, doença. E por mais que a pessoa tenha desejado participar do filme ela no seu íntimo não quer saber da cegueira.

Ao invés de bater de frente com essa resistência eu pedi as pessoas para simplesmente treinarem os outros sentidos

para assim reduzir a dominância da visão e manter a mente em atividade.

Um dos erros mais comuns que se tem em relação aos cegos é a de que eles não tem imagens.

Mas todos os cegos que entrevistei mesmo os que perderam a visão de pequeno construíam imagens.

Ou seja a visão possibilita um tipo de imagem mas os outros sentidos assim como nossa própria essência produzem imagens.

Difícil para nós videntes ver essas imagens. Até por que nossa visão nos adestrou para ter uma percepção visual de tudo.

Ou seja nos pensamento e nossa imagens estão tomadas por imagens captadas fora de nosso corpo.

Aí que entrou a parte mais interessante do treinamento quando abandonei de vez a cegueira e passe a trabalhar a visão.

Fizemos exercícios para aumentar a consciência de seu próprio corpo e de seu lugar.

Difícil de explicar aqui o que seria esse exercício por ser mais profundo que sua descrição.

Há anos venho trabalhando a questão da consciência do que se faz e como para reduzir os desgastes

e ter mais coragem para entrar no campo desconhecido que é criação.

Basicamente o exercício consiste em respirar e escutar os seus próprios impulsos.

Só que não dá prá fazer assim sem nenhum preparo por que pode ser qualquer coisa

e consciência não é isso. É algo que precisa ser exercitado como a imaginação.

Àlias só a imaginação pode levar a consciência.

Espero que vocês não caiam na armadilha de querer definir a consciência por que eu ainda não fiz.

É uma qualidade, é um grau de concentração, é a qualidade do movimento. E movimento é vida.

O caminho passa pelo sentidos. E a observação dos sentidos leva a se religar consigo.

O que para mim é o que Saramago fez ao escrever este livro. Ele nos joga para dentro de si assim como a perda da visão também faz.

No vázio da ideologia não se desenvolve um indivíduo. O individualismo não é ideologia é uma justificativa para nossa mediocricidade.

A cegueira é só uma alerta.

Eu pratiquei e creio que fui mais longe que o Saramago. Transformei isso tudo em ação.

A minha ideologia é fazer arte para curar.

Entenda-se com isso fazer uma reflexão para caminhar.

Nesse processo escutei vários depoimentos dos participantes dando coonta do efeito desta prática no seu cotidiano.

Isto dá para mim uma dimensão maior para o filme que se traduz em qualidade de atuação.

Enfim como sempre faço nessa vida a ação me ensina o discurso.

Aprendi muito observando e escutando todas as pessoas.

Voltei para cá e preciso escrever sobre tudo isso que passou…

O assunto é vasto…como já disse antes.

Prometo continuar.

Desculpe a demora.

Escrito por Christian Duurvoort às 08h51

04/10/2007

Stars

A pergunta que mais me fazem é: Como foi trabalhar com as Stars?

Foi igual trabalhar com todos os outros atores com quem já trabalhei.

É claro que neste time tem gente de muito talento e muita experiência.

Mas são seres humanos e atores…

O filme é um desafio mas aí não há só o elenco para segurar a peteca.

Tem uma equipe por trás de primeira!!!!

Que me deu condições para trabalhar e estabelecer uma relação digna e criativa com todos.

Eu tive muito prazer em conhecer Julianne Moore, Mark Ruffalo, Gael Garcia Bernal, Danny Glover… poder ver-los em ação e contribuir para o trabalho deles.

Dependendo da necessidade de cada ator eu fui acionado.

Fui até para a Bulgaria para treinar o Danny Glover.

Eu fiquei muito impressionado com a tranquilidade da Julianne.

Com a densidade e entrega do Mark.

Com a inteligência do Gael.

Com o jazz do Mr Glover.

São todas pessoas passionais e quentes.

Sabem se proteger quando é necessário e sabem relaxar também.

Acho que não são superexpostos pela mídia apesar de chover paparazzi’s em torno deles.

Uma noite em Montevideo jantei e fui ao cinema com o Danny Glover. Em 30 segundos já havia tirado duas fotos,

dado um autógrafo ao mesmo tempo que ele me contava da sua avó. Durante o jantar foi a mesma coisa.

E até quando acabou o filme havia gente pedindo autógrafo…

Mas o homem estava relax.

Já deve ter feito tanto lançamento de filme na vida que isso faz parte do seu cotidiano.

O que eu aprendi nessa experiência que somos muito respeitados lá fora. Que o que fazemos aqui aos olhos deles é muito digno e de qualidade.

Que o trabalho que se faz com atores aqui repercute lá também.

E que tem gente pensando lá fora em como fazer isso por lá.

Para mim isso é um presente que compartilho com meus conterrâneos para que possamos pensar em nos aceitar

e parar de comparar com o que vem de fora. O Brasil já existe no circuito mundial de arte. E não por ser exótico mas por ser forte.

Agora o que também não falei é sobre os atores não famosos mas valiosos que participaram deste filme.

Uma coisa que vou adiantar que eles canadenses, brasileiros e uruguaios tem algo em comum é que são teimosos.

Por que a maioria se vira para conseguir pagar suas contas e a maioria não vive do que ganha como ator.

O Mark Ruffalo já me contou que ele viveu de food stamps um período da sua vida e que produziu muito espetáculo de teatro com

3 mil doláres para ganhar nada.

Existe glamour no trabalho com atores mas nem tudo é glamour na vida do ator.

Tem períodos que não trabalhamos e tem períodos que não paramos de trabalhar.

O sucesso nem sempre é financeiro e tem muito amigo meu que ainda anda de ônibus mesmo tendo ganho muitos prêmios.

Sempre vou louvar a dedicação de todos antes de pensar no seu currículo.

Em todo mundo a Arte dá mais alegria que dinheiro.

E como diz o dito popular:

Festa acabada músicos à pé…

Para mim está acabando.

Escrito por Christian Duurvoort às 20h02

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30/09/2007

Pare de Sufrir!!!

Esse é o nome da igreja universal em outros países da latino américa.

Mas poderia ser o mote nesse fime como em todos os outros que fiz.

Já é difícil aquilo que estamos fazendo. Vamos deixar o público sofrer. Nós vamos desfrutar disso tudo!

Atores gostam de coisas difíceis. Gostam de aprender. gostam de se desenvolver. Mas sofrer, não.

Hoje mais uma vez vi como isso funciona e contagia: Trabalhar com consciência.

A concentração, a dedicação, a disponibilidade e a generosidade de todos que participaram

deste projeto até agora me dá motivos para ficar feliz.

Estamos todos de parabéns!

Hoje foi um dia duro. Centro de São Paulo. Frio. Aquele caos, aquela sujeira, aquelas calçadas pisadas de pedras,

os olhares nem sempre compreensivos de quem assistia de longe.

Os cabelos oleosos. As roupas gastas e feias.

Precisa estar muito motivado para estar lá.

Eu agradeço.

A história não é a mais agradavél de se contar.

Cenas de violência. De desordem.

De distúrbio.

Na frente do teatro municipal crianças assaltando o carrinho de supermercado de um casal que poderia se não tivesse perdido a visão

estar assistindo o concerto daquela manhã.

Quantas vezes essa cena não se passou ali e não vemos.

Corta!

Risos. Foi difícil. Tive que chamar a atenção das crianças para que parassem de sorrir. Só isso.

Elas estavam felizes por serem livres e conseguirem realizar algo difícil.

Uma mulher sendo acossada por quatro homens.

Nem um arranhão. Ninguém traumatizado.

Tudo com cores fortes mas sob contrôle.

Violência gera violência. Isso é fácil.

Quero ver violência gerar consciência e paz.

Cair e levantar. Se dispor a continuar. Disciplina para esperar ir ao banheiro. Saber esperar seu momento.

Não sei se todos vão ficar na fita mas prá mim valeu o processo.

Hoje é dia de ficar orgulhoso.

Leveza dá peso também. Sutileza derruba paredes.

….

Eu quero agradecer à todos por serem tão generosos.

Há tempos que venho querendo dizer isso desde de Toronto

mas agora quando falta pouco para terminar as filmagens

me permito dizer.

A alegria do pessoal e bom trabalho tem chamado a atenção de todos.

E sózinho não poderia ter feito nada.

VALEU PESSOAL!!!

BEIJOS!!!

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